21 de dezembro de 2012. Um cataclisma global encerra a vida de bilhões de pessoas e mergulha o restante da humanidade em um novo estado de civilização. Conflitos violentos entre diversos grupos eclodem com cada vez mais frequência. Saques, furtos e latrocínios são constantes. A internet deixa de existir, a eletricidade é precária e água torna-se artigo de luxo até mesmo no Brasil. Enquanto isso, seis integrantes de um jornal sobrevivem juntos, reunidos na redação. Discutem os melhores métodos para retornar à circulação, agora que o conceito de jornal online perdeu o sentido. Com destaque para o debate sobre a numeração das futuras edições impressas, se mantém a tiragem seguindo as edições anteriores ou se começam do número zero novamente, seguindo o passo da humanidade. Faz sentido.
Mas um conflito particularmente grande ocorre nas ruas ali fora, e um participante particularmente exaltado – e particularmente muito bem armado com uma bazuca – dispara o seu brinquedo. O foguete atinge o prédio mais próximo, exatamente na sala de redação durante uma reunião de pauta, matando instantaneamente todos os membros. A pauta em questão era as inconfidências de um grupo de velhinhas que mantiveram seu Clube de Croché após o ruir da civilização.
Acabou? Fim da história? Não exatamente. Como pessoas de bom coração que eram, apesar das esquisitices de cada um, foram parar no Céu. Lá viram a possibilidade de continuar o seu trabalho, até porque o número de leitores por lá era muito maior do que os poucos que restaram sobre a Terra. Tendo chegado um tempo depois do quase fim do mundo, não tiveram que passar pelas filas intermináveis que os outros bilhões de almas tiveram que agüentar. E assim seguiram os seis para o Céu dos Jornalistas.
Mas mesmo assim eles não estavam imunes à burocracia celeste. Chegando ao portão do Céu dos Jornalistas, deparam-se com São Francisco de Sales, padroeiro da profissão. O santo já vai logo falando que nem todos os jornalistas podiam entrar ali. Três integrantes do grupo não tiveram problema algum, visto serem todos profissionais já formados, experientes e éticos. Daqueles que ninguém tem uma linha para falar mal. São Francisco de Sales abriu o portão para eles e cumprimentou-os pelo bom trabalho exercido.
Mas o santo porteiro fechou a cara e a passagem para os dois próximos membros, um formado em Direito e o outro psicólogo. De nada adiantaram as credenciais de trabalho de ambos, nem a experiência profissional que haviam acumulado. Nem mesmo o fato de os dois terem passado três anos na faculdade de jornalismo. São Francisco de Sales disse ao psicólogo que procurasse pelo Céu dos Psicólogos, e este respondeu que não gostaria de ir para um lugar tão chato. Perguntou então ao formado em Direito o que ele estava fazendo ali, visto que não havia nenhum magistrado, promotor e muito menos advogado no Paraíso. Ficariam para fora então.
A última integrante do grupo poderia facilmente ter ido desfrutar da eternidade no Céu dos Gastrônomos Poliglotas, mas quis acompanhar seus colegas de trabalho. E foi festejada pelo santo, que contou da dificuldade do pessoal dali em arrumar revisores e tradutores competentes. Sua formação em Tradução possibilitava uma brecha na burocracia de admissão, a mesma brecha utilizada por alguns formados em Letras que ali estavam. O portão abriu mais uma vez para a moça, e o santo retirou-se para o almoço.
E quanto aos colegas que não puderam entrar? Nosso psicólogo e nosso formado em Direito continuaram por lá, nas vicinais do Paraíso, atuando como correspondentes externos para o Inconfidência Celeste. Distribuindo edições por todos os recantos do Céu, captando cada detalhe dos assuntos correntes entre as almas, traficando informações durante o horário de almoço, pelas grades do portão do impenetrável Céu dos Jornalistas. O trabalho nunca para.
Moral da história: no Céu dos Jornalistas, diploma é obrigatório. Mas sempre há alguém capaz de buscar a notícia do lado de fora.